A complexidade dos Três Reis Magos Solares

Autores: Rafael R. S. de Mendonça, Carlos R. Braga

Assim como os Três Reis Magos, três ejeções coronais de massa saíram de sua terra natal (o Sol) e passaram sobre a Terra durante o último Natal. A primeira ejeção coronal de massa (Melchior) foi ejetada no dia 17, a segunda (Baltasar) no dia 19 e a terceira (Gaspar) no dia 20 de dezembro de 2014.
Ejeções coronais de massa (conhecidas como CMEs – Coronal Mass Ejections) são quantidades enormes de matéria ejetadas pelo Sol. Elas são formadas por partículas eletricamente carregadas e possuem uma configuração de campo magnética de linhas fechadas com módulo mais forte do que o comumente observado no meio interplanetário. Apesar destes fenômenos ocorrerem com frequência aproximadamente diária (dependendo do ciclo de atividade solar), muitas das ejeções coronais não são direcionadas para a Terra e neste caso não produzem nenhum efeito na magnetosfera terrestre. Entretanto, quando direcionadas para a Terra, estas ejeções são a principal causa de tempestades geomagnéticas intensas, que, dentre outros efeitos, podem causar arraste em satélites ou problemas em sistemas de transmissão de energia elétrica.
Da mesma forma que os Três Reis Magos, as três CMEs ejetadas na semana anterior ao Natal foram bastantes humildes não sendo de grande destaque quando observadas por coronógrafos nas redondezas do Sol. Os coronógrafos observam o brilho produzido pelo espalhamento Thompson de elétrons produzido por uma CME. Em muitos casos (vide na Figura 1 a CME do dia 28 de outubro de 2003 observada pelo coronógrafo a bordo do satélite SOHO) este brilho é bastante intenso. No entanto, conforme é mostrado nos três quadros a direita desta figura, os três reis magos solares apresentaram um brilho bastante reduzido.

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Figura 1. Exemplo de uma ejeção coronal de massa com brilho intenso (a esquerda) e as três observadas na semana anterior ao Natal de 2014. A superfície solar (indicada pela circunferência branca) e os pontos próximos estão cobertos por um anteparo. Fonte: http://sohodata.nascom.nasa.gov/cgi-bin/data_query

Nenhuma das três CMEs foi exatamente direcionada para a Terra, no entanto causaram efeitos no meio interplanetário próximo ao nosso planeta, assim como em sua magnetosfera. Ao contrário dos Três Reis Magos, elas não deixaram ouro, incenso ou mirra de presente. Elas causaram um aumento no campo magnético interplanetário, na densidade de partículas e na velocidade do vento solar no espaço próximo a Terra.
Conforme podemos ver nos dados do satélite WIND (Figura 2), os “presentes” foram entregues antes do dia de Natal. “Melchior” deixou seu “presente” no início do dia 21 e “Baltasar” no final deste dia. Ambas CMEs produziram um aumento súbito na velocidade do vento solar, na densidade de prótons e no módulo do campo magnético interplanetário observado nas proximidades da Terra. Os aumentos produzidos pela segunda, foram maiores do que os produzidos pela primeira. Ainda não se tem certeza, se “Gaspar” atingiu a Terra chegou nas proximidades da Terra no final do dia 22 ou em meados do dia 23. Como é destacado pelas duas regiões de cor cinza mais à direita na Figura 2, o módulo do campo magnético observado, nestes dois períodos, foi muito acima do valor observado em períodos calmos e um dos mais altos observados em todo o ano de 2014. Além disto, a velocidade do vento solar também apresentou um aumento súbito e significativo nestes períodos.

Figura 2. Observação de parâmetros do meio interplanetário entre os dias 21 e 25 de dezembro de 2014, quando foram observadas alterações devidas a passagens das CMEs nas proximidades da Terra.

Apesar da grande intensificação do campo magnético interplanetário por causa destas CMEs, sua configuração não foi totalmente favorável a ocorrência de tempestades geomagnéticas. A componente do campo magnético interplanetário alinhada com o eixo “z” do sistema de coordenadas GSE (Geocentric Solar Ecliptic) não apresentou duradouros valores negativos, o que desfavorecendo a ocorrência de grandes tempestades geomagnéticas. No entanto, ao menos uma tempestade geomagnética intensa foi observada durante os dias 21 e 25 de dezembro.

Dados do modelo WSA-ENLIL, usado pela comunidade científica para estudar a propagação das ejeções coronais de massa e o comportamento do vento solar, previam a chegada da “Melchior” no dia 19, de “Baltasar” no início do dia 21 e de “Gaspar” no início do dia 22. A primeira CME chegou mais de 24 horas depois do previsto (Figura 3), a segunda chegou com pelo menos 6 horas de atraso (Figura 4), e a terceira pode ter chegado 12 ou 24 horas mais tarde (Figura 5), dependo de qual perturbação no meio interplanetário ela tenha causado (a ocorrida no final do dia 22 ou em meados do dia 23). Ainda conforme os dados deste modelo, a terceira CME não passaria diretamente sobre a Terra de forma que não eram esperadas mudanças na densidade de partículas do vento solar durante a sua passagem. Eram esperados somente os efeitos de sua onda de choque, caracterizada principalmente por um aumento súbito na velocidade.

Além disto, era previsto um aumento de densidade no vento solar relacionada a ocorrência de uma troca de setor, que consiste numa brusca inversão no sentido dos componentes “x” e “y” do campo magnético interplanetário. Esta inversão está relacionada a configuração magnética do dipolo solar e a inclinação do mesmo em relação ao plano da elíptica e ocorre a aproximadamente cada 7 dias. A troca anterior havia ocorrido no dia 12 de dezembro (~11 dias antes da troca prevista no dia 23). Na Figura 2, a variável “phi” mostra o ângulo observado entre os componentes “x” e “y”, que até às 12 horas do dia 22 seguiam com valores próximos de 90 graus. Após este horário podemos observar uma brusca mudança deste ângulo para valores próximos de 270 graus, caracterizando uma troca se setor no dia 22. Assim, há a possibilidade de que a perturbação no meio interplanetário observada neste dia possa estar relacionada a troca de setor e não a terceira CME. Esta, por sua vez, estaria relacionada as perturbações observadas em meados do dia 23. Devido as perturbações causadas pela onda de choque desta CME, “phi” tornou-se bastante instável após meados deste dia.

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Figura 3. Modelo do meio interplanetário mostrando a velocidade e densidade do vento solar no dia 19 de dezembro de 2014. O Sol está representado em amarelo e a Terra em verde. Podem-se notar as perturbações devidas a passagem de “Belchior” (ejetada no dia 17) e “Baltasar” (ejetada no dia 19). Fonte: http://www.swpc.noaa.gov/products/wsa-enlil-solar-wind-prediction

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Figura 4. Modelo do meio interplanetário mostrando a velocidade e densidade do vento solar no dia 22 de dezembro de 2014. O Sol está representado em amarelo e a Terra em verde. Podem-se notar as perturbações devidas a passagem de “Baltasar” (ejetada no dia 19) e “Gaspar” (ejetado no dia 20). Fonte: http://www.swpc.noaa.gov/products/wsa-enlil-solar-wind-prediction

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Figura 5. Modelo do meio interplanetário mostrando a velocidade e densidade do vento solar no dia 21 de dezembro de 2014. O Sol está representado em amarelo e a Terra em verde. Podem-se notar as perturbações devidas a passagem de “Belchior” (ejetada no dia 17) e “Baltasar” (ejetada no dia 19). Fonte: http://www.swpc.noaa.gov/products/wsa-enlil-solar-wind-prediction

Muitos estudos e análises ainda precisam ser feitos para entendermos esta três CMEs ocorridas antes do Natal, e todas as outras CMEs observadas no passado e que ainda vão ocorrer no futuro. O modelo atual que a comunidade científica possuí ainda não tem uma grande precisão. Ainda existem muitos pontos em abertos, fenômenos a serem entendidos e simulados, para que tenhamos um modelo do meio interplanetário que consiga prever, com precisão, a chegada de estruturas solares nas proximidades da Terra. Ainda mais estudos são necessários para se prever quais serão as consequências desta chegada. Entender através do método científico quem eram os Três Reis Magos, como eles viajaram e o que ocorreu com eles após sua jornada é bastante complexo.

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